São José dos Campos 28/04/2025, em um mundo hiperconectado, onde smartphones e computadores são extensões do cotidiano, a nomofobia – o medo irracional de ficar sem acesso ao celular ou à internet – está se tornando uma epidemia silenciosa. Mais do que um apego, essa dependência digital transforma dispositivos em muletas psicológicas, impactando crianças, jovens, adultos e idosos. No Brasil, líder mundial em tempo de uso de smartphones, a nomofobia não só prejudica a saúde mental, física e social, mas também está corroendo relações, com casais perdendo conexão emocional devido ao uso excessivo de celulares. Apesar de sua prevalência, a condição é pouco reconhecida, agravada pela dificuldade das pessoas em admitir a dependência.
O que é Nomofobia?
Nomofobia, abreviação de “no-mobile-phone phobia”, é a ansiedade intensa ou o medo de estar desconectado de dispositivos móveis ou da internet. Reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 2018 como um transtorno de dependência digital, está listada na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID). Seus sintomas incluem ansiedade, taquicardia, sudorese, irritabilidade, insônia e, em casos graves, crises de pânico quando o acesso ao celular é interrompido. “A nomofobia se torna uma doença quando provoca prejuízos na vida profissional, afetiva e familiar”, explica a psicóloga Tatiane Paula, especialista em psicopatologia. Ela destaca que o celular libera dopamina – neurotransmissor ligado ao prazer –, criando um ciclo de recompensa que reforça o comportamento compulsivo, semelhante a vícios químicos.
Uma Epidemia Global e Brasileira
Globalmente, a nomofobia é alarmante. Uma revisão sistemática de 108 estudos (2021) mostrou que a prevalência varia de 13% a 79%, com 25,7% a 73,3% dos casos moderados e 1% a 87% graves. Adolescentes e jovens adultos são os mais afetados, mas crianças e idosos também estão vulneráveis. Nos Estados Unidos, 50% dos adolescentes se consideram viciados em celulares (Common Sense Media). Na Grécia, 99,9% de 1.408 jovens adultos apresentaram algum nível de nomofobia, enquanto na Índia, 23,5% de 774 universitários exibiram sintomas graves.
No Brasil, o problema é crítico. O país lidera o ranking mundial de tempo gasto em smartphones, com 5 horas e 30 minutos diários, contra 4 horas e 48 minutos da média global (Digital Turbine, 2022). Uma pesquisa da nomophobia.com (2024) revelou que 60% dos brasileiros sentem ansiedade sem o celular, e 87% se consideram dependentes para atividades diárias. O Hospital das Clínicas de São Paulo (2014) estimou que 8 milhões de brasileiros – 4% da população – são viciados em internet. Uma pesquisa do Instituto Alana e Datafolha (setembro de 2024) mostrou que 93% acreditam que crianças e adolescentes estão viciados em redes sociais, e 75% consideram que passam tempo demais conectados. Um estudo da UFRJ indicou que 34% dos entrevistados relatam alta ansiedade sem o celular.
Dificuldade em Reconhecer a Dependência
Um dos maiores desafios da nomofobia é a resistência das pessoas em reconhecer que estão dependentes. “Muitos enxergam o uso excessivo como normal, parte da vida moderna”, explica a psiquiatra Anny Maciel, do Hospital das Clínicas da USP. “Eles negam que o celular está controlando suas emoções ou rotinas, mesmo quando enfrentam ansiedade ou prejuízos nas relações.” Essa negação é alimentada pela normalização do uso constante de smartphones e pela dependência funcional, como trabalho ou comunicação, que mascara o problema. A psicóloga Luisa Sabino reforça: “Pacientes muitas vezes só buscam ajuda quando a dependência já causou danos significativos, como crises de ansiedade ou conflitos familiares.”
Impactos em Todas as Idades e nas Relações
A nomofobia afeta todas as faixas etárias, com consequências graves:
Crianças: A exposição precoce a telas, com algumas passando até 9 horas diárias, aumenta riscos emocionais e sociais. Um estudo finlandês associou o tempo excessivo de tela na infância a depressão na adolescência.
Adolescentes e Jovens Adultos: A pressão para estar conectado, especialmente em redes sociais, alimenta ansiedade. Uma meta-análise de 28 estudos com 11.300 universitários indicou que 23,5% a 56,1% têm nomofobia moderada, e até 34,5% sofrem de formas graves.
Idosos: A dependência de smartphones para comunicação ou tarefas pode evoluir para nomofobia, agravada pelo isolamento. Um estudo de 2024 destacou que o uso excessivo contribui para ansiedade em idosos.
Além dos impactos na saúde – insônia (devido à inibição de melatonina pela luz azul), dores físicas, estresse, depressão e dificuldade de concentração –, a nomofobia está corroendo relações interpessoais. Casais, em particular, estão perdendo conexão emocional. “É comum ver parceiros mais focados nos celulares do que na conversa”, observa Tatiane Paula. “O uso constante durante momentos que deveriam ser de intimidade, como jantares ou noites juntos, cria distanciamento e conflitos.” Uma pesquisa da Universidade de Baylor (2016) mostrou que 46% dos casais relatam interrupções frequentes por celulares, fenômeno chamado de “phubbing” (ignorar alguém em favor do telefone), que aumenta sentimentos de rejeição e insatisfação no relacionamento.
Especialistas Alertam
Médicos brasileiros têm soado o alarme. Anny Maciel explica: “O uso intensivo do celular provoca liberação de dopamina, e buscar essa recompensa constantemente leva à dependência emocional.” A neuropediatra Letícia Sampaio, da UFMG, destaca os impactos em crianças: “Jogos e redes sociais oferecem gratificação imediata, prejudicando o córtex pré-frontal, essencial para controle de impulsos.” Marcos Gebara, presidente da Associação Psiquiátrica do Rio de Janeiro, reforça: “O hábito vira doença quando afeta a vida profissional, afetiva e familiar, especialmente em crianças.” Luisa Sabino alerta sobre o contexto escolar: “Alguns alunos têm dependência patológica. Eles surtam sem o celular.”
Como Ajudar: Tratamento e Centros de Apoio
O tratamento da nomofobia envolve psicoterapia, como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que modifica comportamentos compulsivos. Em casos graves, medicamentos podem tratar ansiedade ou depressão, sob supervisão psiquiátrica. “Uma rede de apoio com família e amigos é crucial. Casos complexos exigem equipes multidisciplinares”, diz Tatiane Paula.
No Brasil, o Instituto Delete, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, oferece avaliação e suporte, incluindo testes para medir a nomofobia. Clínicas de psicologia, hospitais como o Hospital das Clínicas de São Paulo e o Hospital Albert Sabin, e centros de saúde mental em várias cidades fornecem tratamento. Programas específicos estão disponíveis no Rio de Janeiro e São Paulo.
Estratégias práticas incluem:
Limites de uso: Definir horários para o celular e evitar telas antes de dormir.
Detox digital: Reservar períodos offline, como fins de semana.
Hobbies offline: Praticar esportes, leitura ou meditação.
Mindfulness: Exercícios para reduzir ansiedade e aumentar consciência do uso.
Monitoramento: Usar aplicativos que rastreiam o tempo de tela.
Leis e Iniciativas no Brasil
O Brasil está agindo contra a dependência digital. Em 2017, o Ceará instituiu a Lei nº 16.304, criando uma campanha permanente de conscientização e combate à nomofobia. Em 13 de janeiro de 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 15.100/2025, que restringe o uso de celulares em escolas públicas e privadas da educação básica, proibindo-os durante aulas, recreios e intervalos, exceto para fins pedagógicos, acessibilidade, saúde ou segurança. Cada escola deve implementar a medida, com apoio do Ministério da Educação (MEC).
A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou, em outubro de 2024, o PL 104/15, que proíbe celulares em escolas, incluindo recreios, e veta o porte por crianças até 10 anos. O projeto, em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça, exige espaços de acolhimento para alunos com sofrimento psíquico relacionado à nomofobia e, se aprovado, seguirá para o Senado.
Proibição de Celulares nas Escolas: Solução ou Desafio?
A Lei nº 15.100/2025 e o PL 104/15 têm amplo apoio. Um estudo do Datafolha (outubro de 2024) mostrou que 62% dos brasileiros são a favor da proibição, subindo para 65% entre pais de crianças até 12 anos, e 76% acreditam que o uso de celulares prejudica o aprendizado. A Nexus (2024) indicou que 86% apoiam a restrição, com 54% defendendo a proibição total.
Letícia Sampaio vê a medida como positiva: “Limitar o uso na escola estimula interações sociais e autorregulação, essenciais para o desenvolvimento.” Porém, Luisa Sabino alerta: “A proibição pode desencadear sintomas de abstinência em alunos com dependência patológica, exigindo preparo dos professores.” Anna Lúcia King, do Instituto Delete, complementa: “A restrição é um passo, mas sem orientação familiar e formação de professores, os alunos podem compensar o tempo restrito com uso excessivo em casa.”
Um Chamado à Conscientização
A nomofobia afeta milhões globalmente e no Brasil, onde o uso intensivo de smartphones amplifica seus impactos. Além de causar ansiedade, depressão e prejuízos sociais, ela está afastando casais e dificultando conexões emocionais. A dificuldade em reconhecer a dependência agrava o problema, mas iniciativas como a Lei nº 15.100/2025 e o PL 104/15 sinalizam avanços. Combater a nomofobia exige uma abordagem integrada, com apoio de famílias, escolas, profissionais de saúde e políticas públicas.
Se você sente ansiedade sem o celular, verifica notificações compulsivamente ou percebe que o dispositivo está prejudicando suas relações, procure ajuda em centros como o Instituto Delete ou clínicas de saúde mental. O equilíbrio entre tecnologia e vida real é possível, mas começa com a pergunta: quem está no comando, você ou o seu celular?
Redação 12 NEWS